sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Minúsculo.

Um pequeno ponto 
que mesmo desapontado
não dá ponto sem nó.



"... tinha suspirado,
tinha beijado o papel devotamente!
Era a primeira vez que lhe escreviam aquelas sentimentalidades,
e o seu orgulho dilatava-se ao calor amoroso que saía delas,
como um corpo ressequido que se estira num banho tépido;
sentia um acréscimo de estima por si mesma,
e parecia-lhe que entrava enfim numa existência superiormente interessante,
onde cada hora tinha o seu encanto diferente,
cada passo condizia a um êxtase,
e a alma se cobria de um luxo radioso de sensações..."


(O Primo Basílio - Eça de Queiroz)

Quintanear.

 






"A maior dor do vento é não ser colorido."


(Mário Quintana.)

Aquele do "Romeu e Julieta"





 – Não tenho palavras para expressar o quão nostálgica estou por ter sua presença aqui. Conseguir entrevistar o senhor no estado que se encontra é algo que qualquer um almeja.
Shakespeare - "Tudo o que nasce deve morrer, passando pela natureza em direção à eternidade”.
 – O senhor é considerado maior dramaturgo da Língua inglesa e um dos mais influentes no mundo. O que o senhor acha disso?
S – “Ser ou não ser... eis a questão”.
 – Diga-me o que exatamente o senhor quis dizer com essa frase?
S - "Os homens deviam ser o que parecem ou, pelo menos, não parecerem o que não são”.
– Todas suas palavras inspiram escritores da atualidade, sendo que suas obras são as que mais sofrem atualizações.
Muitos de seus textos e temas, especialmente os do teatro, permaneceram vivos aos nossos dias, o que me diz a respeito?
S – “Não chegarão aos ouvidos do Eterno, palavras sem sentimento." – sorriso torto. – O senhor sempre foi um homem de poucas e profundas palavras?
S - “Homens de poucas palavras são os melhores homens”.
 - E quando descobriu o seu dom para escrever?
S - “As paixões ensinam a razão aos homens”.
– Então, Shakespeare foi apaixonado?
S - "Sem saber amar não adianta amar profundamente”.
- Pouco se sabe sobre sua existência aqui na Terra, embora o senhor tenha sido fundamental, ainda há muitos mistérios sobre sua vida. Há algo que possa nos afirmar?
S - "O maior inimigo do homem é a segurança." – observa ao redor – “Sabemos o que somos, mas não sabemos o que poderemos ser”.
 – As nossas dúvidas continuam...
S – “Nossas dúvidas são traidoras e nos fazem perder o que, com freqüência, poderíamos ganhar, por simples medo de arriscar”. – Não existe quem não conhece a história de Romeu e Julieta. Fale-nos das personagens dessa história tão grandiosa e fatídica.
S - "Assim que se olharam, amaram-se; assim que se amaram, suspiraram; assim que suspiraram, perguntaram-se um ao outro o motivo; assim que descobriram o motivo, procuraram o remédio”.
 – Descreva esse amor.
S – “O Amor não é considerado um erro, mas sim algo inevitável. Por que se existe alguém que passou na vida e não amou, não viveu só passou”.
– Realmente. E o amor de Romeu e Julieta prova que o verdadeiro sentimento existe.
S - "Ó poderoso amor! Que por alguns respeitos transformas um animal em homem e por alguns outros, tornas um homem em animal”.
 – Mas, por que não dar um final diferente para essa história?
S – (pausa) “O amor só é amor, se não se dobra a obstáculos e não se curva a vicissitudes... é uma marca eterna... que sofre tempestades sem nunca se abalar”.
 – Eu particularmente após ler sua obra me senti infeliz com o final trágico desse amor...
S – “Pode se viver sem felicidade... mas, não sem amor”.
– Se Romeu pudesse dizer algo para Julieta agora, o que seria?
S – “Duvides que as estrelas sejam fogo, duvides que o sol se mova, duvides que a verdade seja mentira, mas não duvides jamais de que te amo”. - E tudo o que impedia esse amor lhe causou dor?
S - "Todo mundo é capaz de dominar uma dor, exceto quem a sente”.
– Algo mais que o senhor queira dizer sobre sua obra?
S – “O resto é silêncio”.
 – E o que o senhor aprendeu em vida?
S – “Aprende que não importa em quantos pedaços seu coração foi partido, o mundo não pára para que você o conserte. Aprende que o tempo não é algo que possa voltar. Aprende que não importa o quanto você se importe, algumas pessoas simplesmente não se importam...”. – suspiros – “A vida é muito curta! Passar esse momento de forma vil seria um desperdício”.
 – E o que o senhor aprendeu em morte?
S – “Existem mais coisas entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã filosofia”.
 – A humanidade é algo que o inspira?
S - “Nós somos feitos do tecido de que são feitos os sonhos”.
 – E quanto a toda maldade que é injetada em nosso dia-a-dia?
S – “Não há nada bom ou nada mau, mas o pensamento o faz assim”.
– Quero agradecer toda sua atenção, desculpe por perturbar seu sono eterno...
S – “O sono é o prenúncio da morte”.
 -... Foi uma honra recebê-lo aqui, meus parabéns por todo o seu trabalho e por saber o que fazer com as palavras. Descanse em paz.
S – “Dormir, dormir... talvez sonhar”.

E  lá foi ele, com toda sua genialidade, recolher-se ao sono (eterno) dos justos.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Sonhos de Caio.

Sonho um sonho muito vivo, colorido, sonho por exemplo que estou no meio de um gramado, de manhã bem cedo, um ar tão limpo que os pulmões chegam a doer um pouco quando você respira, há flores amarelas no meio do gramado verde, e brilham, eu respiro e respiro mais fundo e sei que bem perto dali existe uma cachoeira, minha flor das montanhas, posso ouvir o ruído das águas caindo, caminho em direção à cachoeira, deixo aquele jato de água fria limpa clara bater bem no alto da cabeça, o lótus em mil pétalas abertas abrindo, passa uma borboleta azul, bons presságios: eu penso, eu acredito, a água gelada continua batendo na cabeça, escorre pelo corpo todo, e vou entrando, o sonho é meu, numa espécie de êxtase, satori, nirvana, eu acredito, eu sigo acreditando, outra vez eu acredito, embaixo da cachoeira, eu não paro um segundo de acreditar porque tudo é vivo vibra brilha, meu corpo não se separa da água nem da pedra nem do céu que vejo entre as folhas.


(Caio Fernando Abreu)